Hoje, nem a senhorinha que está sempre na minha frente na fila do terminal de passageiros e que espera chegar à catraca para abrir a bolsa, procurar a carteira, abrir a carteira, procurar o cartão do ônibus, fechar a carteira e vasculhar a bolsa novamente até encontrar o cartão para só então passar a roleta, nem essa senhorinha vai roubar meu bom humor. É que o 665-1 amanheceu com novos Poemas.
Pego carona todos os dias, dez para as sete, com meu amigo, o poeta Léo Cruz, que me tranquiliza da janela: “as minhocas na cabeça espantam as borboletas do estômago”. Meu trajeto até o centro histórico, leva em torno de quarenta minutos. Dá tempo de ler bastante até pegar no sono depois do viaduto Obirici. Esses dias consegui ler até a Av. Farrapos, mas não lembro de nada que li depois do viaduto. O cobrador já me acordou umas quantas vezes no final da linha. Ontem, por exemplo, fiquei tentando pagar a passagem com meu lanche. Sorte que o cobrador já tinha feito o desjejum.
Eu já embarquei com o Gerson Nagel, a Patrícia Langlois e a Milene Barezzetti no mesmo dia. Já fui pra Zona Sul e voltei na companhia do Christian Davi. E já perdi o ponto para conseguir ler Ana Mello até o final. Agora, uma mágoa é jamais ter viajado em uma janelinha com versos da Vanessa Conz. Nem que fosse um ônibus errado. Tem gente que tira foto. Tem gente que copia num bloquinho. Tem os que decoram de cabeça. E tem quem nunca tenha se dado conta. As janelas dos coletivos da minha Poa escancaram horizontes ou encerram mundos. Depende do passageiro.
Seis da tarde, o trânsito parado, e o Rafael Vechio pergunta: “Valeu mesmo a pena? A cada milhão duas pontes de safena”. A Michelle Justo Iost, em algum março chuvoso, nos oferece “o (des)amor no meio fio”. Uma vez, viajando na “Impressão”, da Bárbara Sanco, bordejando o Arroio Dilúvio, o D-43 a todo pano na Av. Ipiranga, o vento lambendo os meus devaneios, os olhos fechados, simplesmente voei, na curva da Antônio de Carvalho, adivinha nos pés de quem? A senhorinha só balançou a cabeça e se benzeu.
Mas a maior viagem, mesmo, disparado, foi a vez que um cidadão entrou no T1, cumprimentou o motorista, o cobrador, e anunciou: “ pessoal, boa tarde, aqui é a Polícia Federal, esta é uma abordagem de rotina, fiquem todos tranquilos que eu vou fazer o meu trabalho e liberar vocês o mais rápido possível”. Mas essa eu só conto quinta-feira, na revista RUBEM. Oh, lá vem meu ônibus!
No T10, do Adam Gonçalves: “Se é preciso resumir a vida, eu resumo: ida”.