Uma das vantagens de ter três filhas, aqui só uma, pois são inúmeras, mas assim, com idades bem espaçadas, vinte e um, doze e sete, é que as demandas, os universos e a programação precisa ser diferente, abrangente e criativa. É riquíssimo tudo isso, no sentido de vivenciar essa diversidade toda. Estar em contato direto com o que têm de mais moderno na humanidade. No campo literário então, é um verdadeiro convite ao infinito!
Em um mesmo dia, eu tanto posso me deparar com “a bruxa do armário de limpeza”, ou com “o gigante de meias vermelhas”, lendo um dos contos da Rua Brocá para a menor, como posso cair no colo da “Malala” ou dentro da “Maravilhosa Fábrica de Chocolates”, na interação com a do meio, quanto posso ousar um mergulho denso em Freud ou Calligares, por influência dos estudos da maior.
Este último, Contardo Calligares, em um de seus livros, faz uma analogia que me pareceu genial sobre o que ele trata como a “moratória” da adolescência. Moratória no sentido de adiamento sem data definida. O autor apresenta essa “nova-idade” como uma construção social relativamente moderna, coisa do início do século XX. E faz a construção que reproduzo abaixo, breve e nessas palavras toscas, como ilustração:
Imagine-se sobrevoando a selva amazônica e um acidente lhe coloca no coração de uma tribo indígena completamente desconhecida, porém, amistosa. Após doze anos de convivência, de trocas, descobertas e aprendizagens, você já entendeu quais são os valores daquela tribo, maneja com destreza a linguagem, conhece os códigos éticos e as leis que regem aquele espaço para a boa convivência.
Nesse ponto você já entendeu o que precisa fazer para ter o respeitado da tribo, sente-se preparado para competir na disputa pelo maior peixe, toca o birimbau sagrado com igual perícia dos mestres, percebe as mudanças em seu corpo que é agora desejável como o dos seus pares. Nesse momento, nesse exato momento de pura potência, os caciques decidem que você deve aguardar mais uns dez anos, preparando-se, para depois participar de alguns rituais e frequentar alguns espaços reservados.
Os adolescentes percebem a incoerência quando queremos que eles sejam independentes e tenham maturidade ao mesmo tempo em que reprimimos sua liberdade. Eles, os adolescentes, já entenderam que em nossa sociedade é preciso ser “invejado e desejado”. Sentem-se prontos, querem competir em igualdade com os adultos, que, por sua vez, negam-lhes as chaves de acesso. Assim, sem saber quando vais ser aceito entre os seus pares, os adolescentes seguem “produzindo, amando e ganhando marginalmente”.
Aff! Assim não dá, que saco!