“Qual foi o tipo que mais o impressionou?”
Essa é fácil, seu moço. Sem sombra de dúvidas, foi uma doméstica lá pelos anos mil novecentos e oitenta e poucos. Eu nos meus onze ou doze. E como são impressionáveis os meninos de onze/ doze anos. Mas sabe de uma coisa seu moço, ela era mesmo impressionante.
Olha que eu menino, era muito, mas muito mais chato que hoje. Nos finais de semana, para alívio da minha mãezinha, costumava dormir na casa dos meus primos. Foi nessa casa que vi, pela primeira vez, um aparelho de telefone. Também foi lá, seu moço, onde conheci o compact disc. Era uma casa enorme. Dois andares. Poucas casas no bairro tinham dois pisos. E piscina de azulejo, sim, tinha uma piscina nos fundo da casa, de onde saíamos, sob protestos, só à noitinha, murchinhos. O chocolate quente da dona Neusa nos trazia de volta a vida. Durante muito tempo lembrei-me daquele gosto.
Quando ela parou de trabalhar na casa fiquei desolado, pensei nunca mais degustar delícia igual. O que eu não sabia seu moço, é que iria provar ali mesmo, naquela casa, minha mais saborosa experiência. Foram dias difíceis sem a dona Neusa. A casa, antes sempre alinhada, perdeu a compostura. Apressaram-se em arrumar alguém para a função. Só não esperava que contratariam aquele anjo direto do céu. De Santa Cruz, seu moço, para ser mais exato. Mas vinha de uma temporada no Rio de Janeiro.
Passei a visitar meus tios durante a semana também. As estadas, que agora iniciavam nas quintas e, não fosse à persuasão do meu pai e sua sandália de couro, se estenderiam de domingo a domingo. Olha seu moço, sem exagero, tinha alguma coisa de hipnose naqueles olhos de Capitu. Ou no conhaque que ela adicionava ao que batizou de drunk chocolat. E ela limpava a casa escutando Rita Lee. Nua, seu moço! Nuazinha! Foi a primeira vez que vi uma mulher, assim, inteira, mulher mesmo, com pentelhos e tudo. E tatuagem na coxa, sim seu moço, ela tinha uma tatuagem na coxa. E também pela primeira vez senti meu coração duplicar de tamanho e latejar sob o calção de malha.
O gosto do chocolate quente da dona Neusa, esse, não me recordo mais. Já um choconhaque e o cd dos Mutantes até hoje me alteram a freqüência cardíaca. Como são impressionáveis os meninos de onze/doze anos. Mas como eu já disse seu moço, ela era mesmo impressionante.