Li na Rubem, numa delícia de crônica, não do Braga, mestre de todos. Nem do Penz, não menos mestre. Na revista digital rubem.wordpress.com – um texto do Cássio Zanatta, que é também um mestre nessa “arte de viver em voz alta” como definiu o velho Braga. Ou foi o Penz? Sei lá. Mas quero falar do Cássio Zanatta de quem também gosto muito. Do seu texto que me faiscou todos os olhos. Revela um fato que realmente me deixou surpreso quando li, e como ele mesmo garante muita gente nunca se deu conta. O fato de ele ter quatro pés. Incrível mas nunca reparei.
Seguindo as “pegadas” no texto brilhante do Zanatta, vislumbro que talvez vocês também não reparassem que eu tenho quatro olhos. Não. Não são lentes ou um par de óculos. Tenho aqui esse olho esquerdo, o direito, um no meio da testa e outro entre eles. Incrível vocês nunca terem reparado. Mas também não reparavam nos quatros pés do Cássio. As pessoas não se interessam por essas aberrações de cronistas que gostam de Rubem Braga. De Rubem Penz. Não leem a revista Rubem na internet. Pois então. Tenho esses quatro olhos arregalados pro mundo. E vocês nunca notaram.
Um olho enxerga o perigo no ovo. Já outro não vê a ponta do próprio nariz (alguém consegue?). Tem um que só olha pra dentro e suspira. É estrábico e avermelhado. E tem o que tudo vê, ouve, remenda e escreve. Daí minha expressão de cansaço. Poxa, são quatro olheiras!
Tive um olho que se apaixonou por uma bola num tempo mágico da minha vida. Enquanto o outro só via música em tudo que olhava. Durante um bom período um deles vidrava no que diziam os professores. O outro dormia.
Meus dois pares de olhos nunca avistaram problemas do tipo nó cego. Pelo menos não a primeira vista. Já consegui inclusive vantagens usando desse recurso pra ficar, por exemplo, com um olho – profundo -, nos olhos da gata, outro no irmão da gata, dormindo na sala, um olho espiando na porta entre aberta e o outro no fecho éclair. Sabe como é: um olho na gata outro no fecho. Ah, esse maldito fecho éclair!
Quando derramam, são dois de cada vez os meus olhos aos prantos. Exceto o vesguinho, torto que chora num lado e escorre no outro. Cada qual mais aguado e tristonho. Também nunca se fecham todos ao mesmo tempo. Dormeço e enxergo, nos sonhos, meus dentros de mim. Então, me vejo mesmo com apenas dois olhos aos olhos dos outros. Os outros dos meus sonhos é que me encaram com cem olhos um cada rosto. E nunca piscam.
Nas manhãs bem cedinho, me brotam antevisões, ilusões de ótica e remela ao quadrado. Tenho também quatro meninas dos olhos pra tomar conta. Imaginem vocês, num dia desses de vento, quatro olhos para quatro possibilidades de ciscos no olho do camarada. E lá fora, a todo o momento, meninos e meninas, querem te furar o olho. Nos olhos dos outros é refresco.
Minha do meio, pergunta como consigo ler quatro livros “ao mesmo tempo”. Digo que leio um livro com cada olho. Ela acha graça. Às vezes, lá em casa, fulmino palpites, normalmente fatais e precisos, nas tramas das telenovelas. Perguntam-me como eu sabia se nem acompanho o enredo. Repito que só preciso de dois dos meus olhos pra ler, e um, semicerrado, pra entender a novela. O outro dorme.
O Cássio Zanatta, ao final do seu texto, que é por sinal umas dez, vezes quatro, vezes melhor que esse aqui, vê-se num dilema ao renunciar dois dos seus pés e continuar seu caminho com o par mais conveniente. É o que eu devia fazer também. O Cássio, tendo tantos neurônios a mais, na certa sabe melhor que eu dessas coisas que nos sobram. Embora os absurdos revoltantes e recorrentes nas imagens que andamos produzindo, nem penso virar o nariz para os meus próprios olhos. É tanta surpresa incrível que se consegue ler com dois olhos a mais.