Perguntaram essa semana a respeito da minha primeira impressão sobre a universidade onde estou cursando letras. Confesso: faltei com a verdade. Não tive coragem de responder aos professores o que realmente sentia. Aqui, pra vocês, assim, entre nós, fico mais à vontade. Mas não vão espalhar na rede, tá? Sabe, tenho a impressão de estarem todos a me enganar. Encenando. Não pode ser verdade. Eu sonhava com um cantinho pra estudar português, uma carteira discreta, pertinho da janela, onde soprasse uma brisa amiga que abrandasse meus calorões, um ventiladorzinho de teto, quem sabe. Um, ao menos um, professor motivado, colegas agradáveis, essas coisas. Sei da realidade nas universidades públicas no meu Brasilsilsil. Preparei-me pra encontrar aquela velha sabotagem que bem conhecemos. Poucos recursos, estruturas acanhadas, docentes aos farrapos.
Saltei de paraquedas nessa oportunidade. Desconfio que meu paraquedas não abriu e bati com a cabeça. Só posso estar variando, como diz minha vovozinha. Não é possível, gente. Pra começar, minha unidade fica a quinze minutos de casa. O Campus tem doze hectares, eu disse hectares (quanto é um hectare, mesmo?), e faz parte de uma estrutura com vinte e três unidades espraiadas pelo estado. Fomos recepcionados pelo Irineu, o cão comunitário que eu ouvi dizer estar no segundo pós. O curso, que é focado na formação de professores, tem uma atenção carinhosa com a parte pedagógica, traz no currículo inclusive alfabetização. Os professores, com os quais tive contato até agora, são as pessoas que eu quero ser quando crescer (será que eu ainda cresço?). As salas têm ar condicionado modo Frozen. Meus colegas, parece que fizemos juntos todo o ensino médio. E todos eles, colegas e professores, só falam de assuntos que me fervilham as ideias. Li a respeito de bolsas que a universidade dispõe, com auxílio financeiro aos estudantes. Gente, querem pagar para que eu estude. Me belisca. Sabe sensação de pertencimento?
O funcionário que nos ajuda com as demandas práticas no dia a dia, muito discreto e prestativo, tem nome de escritor filósofo iluminista francês. Seu Voltaire reparou meu estado de abobalhamento: “É, Maria, no início, tudo muito legal, mas a convivência diária não é mole, até a meia fura no dedo maior”. Gênio! Claro que eu sei dessa empolgação inicial. Por isso mesmo controlei-me e não saí beijando todo o mundo no campus. Quando perguntaram o que eu estava achando, disse: “é, bacana”. Mas estava mentindo. Não achei bacana. Acho, de verdade, que essa é a melhor coisa que poderia ter acontecido nessa minha tão miserável vidinha. Mas não digam que eu falei isso. Claro que eu sei do trapo que anda nossa educação. Da desvalorização. Que o CPERS fez cem dias de greve recentemente. Sei da resistência histórica da classe. Não vejo, porém, momento melhor e motivos mais nobres para me alistar nessa luta. Deixem-me sonhar. Antes que eu precise trocar meus sonhos por uma metralhadora.
Dirão: tadinho, deslumbrado; pobre calouro; no início é assim; quero ver aguentar a sala de aula; lá pelo quarto semestre a gente conversa; deixa passar a primeira semana de prova; ainda não teve aula de …
Tenho certeza que, em alguns momentos, já no final do curso, vou entrar no campus com vontade de chutar o Irineu. Vou reclamar dos mil seiscentos e quarenta degraus. Do café. Certo que ainda vou acusar de perseguição aquele professor abençoado que me deu nota baixa naquela prova que eu não estudei. Estou ciente de tudo isso. Uma condição de fogo foi posta pela universidade e talvez poucos tenham percebido. Foi essa chama que nos reuniu, nesse quase improvável espaço, ao mesmo tempo, buscando os mesmos caminhos. Vi essas fogueirinhas nos olhos dos meus colegas e nos olhos dos professores, umas em brasa, outras, labaredas. No edital, a primeira coisa, primeirinha, dizia assim: Com vocação.
Era só isso, gente, precisava desabafar. Oh, lá vem meu ônibus!