(Ins)piração

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   Tento escrever, no intervalo entre linguística e introdução à literatura, emocionado de café preto. Acomodo-me nos bancos de onde espiam os pinheiros mais altos do prédio cinco. Um grupo de estudantes das exatas move-se feito uma nuvem gorda a trovejar expressões tipo: regras do cociente, eletrônica de potência e estatística aplicada, derivado de cosseno ao quadrado, relações trigonométricas…

Uma corruíra saliente me rouba atenção com seu alarido dramático. Caturritas numa matraca incessante. Os sabiás nem aí. Há um lagarto insinuando línguas pelo campus. Meu bem-te-vi favorito, não o vejo faz tempo. Um punhado de penas ao pé da escadaria. O chimango arrancou a cabeça de um pombo comum.

Outro café. Busco inspiração no reflexo caleidoscópico do lago. Existe ali uma velha ponte de madeira que alcança a ilhota onde os socós fazem ninho. Carpas capim testemunham minha falta de assunto. Arremesso uma pedra que estilhaça a calmaria do espelho d’água. Protestam os quero-queros. Um formigueiro de calouros avança em direção ao prédio onze. Este que só é nosso, hoje, por livre, espontânea e bem planejada ocupação dos alunos.

Persigo a solidão criativa. Vou ver se ela fez check in no desperdício do alojamento vazio. Atalho pela trilha entre os eucaliptos. Atravesso o jardim dos cogumelos. Um cortador de gramas, dono do campinho, decepa meus planos de calmaria. É quase horário de aula e eu não encontrei nem o tema.

Já procurei no auditório, na sala de pesquisas, na secretaria e no centro acadêmico. Vasculhei a biblioteca de ponta a ponta. Até nos banheiros já fui. Na guarita dos seguranças, no galpão desativado, na sala dos professores. Liguei pra reitoria. Núcleo de atendimento ao discente, por favor: “Alô, bom dia, vocês dispõem por aí de algum mote sobrando? Um bom gancho com que se possa iniciar uma crônica, vocês teriam por aí, pra me ajudar?”.

Recolho minhas esperanças. Refaço o caminho de volta, chutando as pinhas secas que insistem em me atravancar. São ventos de um veranico de maio que me insuflam a coragem. Hoje, não encontrei um motivo, nem tempo, um cantinho sequer, pra derramar minhas angústias. Só o que me fez entortar o punho foi essa prosa medonha. Lamentável, lamentável…

 

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1 comentário em “(Ins)piração”

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