Melhor é tê-los

mao18

 

Digo que tenho três filhas e os mais novinhos ficam espantados, querem saber como é ter filhos, pretendem que eu resuma assim, num sentimento. Pedem receitas, esperam que eu lhes entregue uma fórmula pronta, um manual. Tão diversas e complexas são as pessoas, tantos universos particulares. Com os filhos não é diferente, cada filho provoca um amor e uma angústia específica. Ama-se e dói-se um filho com intensidades e expectativas diferentes. Embora haja situações em que todos os filhos nos despertam similares instintos.

A sensação de acordar com um pezinho de bebê no rosto, num domingo de primavera, por exemplo, é algo difícil de explicar. Faz dezoito anos, ininterruptos, que eu durmo com mais de uma mulher na minha cama. Como expressar essa dádiva? Ter filhos tem seus encantos e seus nem tantos. É prazeroso e dolorido. Muito do nosso reflexo é o que enxergamos. Enche uma casa. Agora, sair pra buscar em festa, na madrugada de Poarendelle, é pra compensar o que sofreu minha mãezinha.

Até que eu não dava muito trabalho. Meu pai pagava pra que eu dissesse palavrão na frente dos amigos dele e eu não dizia. Quando saía com a minha mãezinha e avistava de longe alguém vindo em nossa direção, eu apertava sua mão e perguntava, aflito: essa precisa cumprimentar, mãe? Em compensação, meu maninho… Chegaram a enviar convites para as festinhas de aniversário só com o meu nome. Teve uma época que ele usou umas botas ortopédicas com um ferro na ponta que desuniu a família. Mas isso já é outra crônica.

Só pra ilustrar, pra ver se consigo representar aqui um sentimento que nos invade comumente em relação aos filhos, um episódio que me ocorreu hoje pela manhã pode muito bem fazer esse papel. Faz frio na manhã de Poarendelle. Muito frio. Por aqui, na casa das quatro mulheres, despertamos cedo. Seis da manhã. Visto a número três embaixo das cobertas, collant (nessa ordem), meia calça, camiseta, blusa de lã, calça, meia de lã, casaco, manta, polaina e bota. Na porta de casa, atrasado mais do que o normal, me olha com a cara do gatinho do Shrek e diz: pai, eu fiz xixi. Isso é ter filho.

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