Meu Papai Noel morreu em 2015. Infarto agudo do miocárdio. Era baixinho e gorducho. Tinha a língua presa, um coração de montanha derretida e um abraço avalanche. Uma honestidade irritante, quase um deboche. Apaixonoso. Queridãozão. Exemplíssimo. Cético, agnóstico e curioso. Progressista. Colorado. Informatizado. Amado por este grosseiro rapaz aqui.
Lia tudo o que lhe caísse nas mãos o meu bom gordinho. Livros, catálogos, diários populares, rótulo de creme dental, bulas de remédios, revistas antigas, anúncios de imobiliárias, santinhos de candidatos, a programação da missa de domingo. Clássicos da literatura, biografias (suas preferidas), gibis, manuais de funcionamento, receitas, etiquetas, panfletos. Lia o mundo inteirinho pra mim.
Morreu em 2015 o meu Papai Noel. Nunca mais acreditei em Natal. Não enfeito árvores nem ponho guirlandas na porta. Não acendo luzes ou monto presépios. Não há troca de presentes, amigo secreto, ceia farta. No fundo de uma gaveta, desfaz-se uma barba postiça e uma bengala carcomida. Um par de botas, uma touca cheia de balas velhas e um enorme saco vermelho vazio de tudo.
Ensinou-me a dobradura do avião de papel mais arrojado das ciências da navegação aérea. Foi meu goleiro, ponteiro esquerdo e treinador. E eu agarrei os seus cabelos grisalhos, com toda a minha força de menino, num domingo de chuva, corcoveando em seus ombros, no gol do Amarildo, na explosão da Coreia no Beira-Rio. E adormeci ensopado, naquele colo de puff, do Centro Histórico à Zona Norte, dentro de um Taxi Fusca.
Em 2015 morreu o meu Papai Noel. Nenhum milagre desde então. Milagre é coisa de quem tem um Papai Noel pra chamar de seu. O meu, morreu em 2015. E o seu, é vivo?