Recupero-me de uma gastroenterite que me deixou meio acinzentado e com uns seis quilos a menos. Depois de três dias de cama e algumas horas de soro na veia, consigo retomar à rotina. Um gato. Um gato preto. Um gato preto sem rabo. Uma pomba. Uma pombinha rola. Uma pombinha rola sem um pé. São as primeiras criaturas que vejo de manhã cedinho, antes de encarar o dezprasete. Apesar de não ter visto coisa mais estranha do que um gato cotó e uma pomba manca, encarei a recepção como um bom presságio.
São seis e cinquenta da manhã e os termômetros marcam trinta e seis graus na minha Poa. Da janela do 6651, vejo uma revoada de cobras sobre a Farrapos. Sim, uma revoada peçonhenta. Batiam assas e punham as línguas em forquilha de fora. O bando ofídio se afasta serpenteando em direção ao Guaíba. Será efeito dos remédios? Já no Centro Histórico, na Voluntários da Pátria, um cavalo de óculos escuros trota sossegado puxando uma carroça vazia. Quase no Mercado Público, reparo que uma senhora caminha o trajeto inteiro ao meu lado, anda de costas, com os pés virados para frente.
Na Rua da Praia, bem na esquina democrática, um gaudério de pilcha completa, chapéu de aba larga, botas e chiripá de franja, uma adaga na cintura, relho trançado, esporas e boleadeira, se acaba ao som do samba enredo da Mangueira. E diz no pé. E corteja uma porta bandeira imaginária. Chama a atenção de uma dupla de remadores que atravessa a Borges de Medeiros em um caiaque de rodinhas. Quase acertam em cheio uma vaca cadeirante no cruzamento com a Salgado Filho.
Mas a coisa mais bizarra, o absurdo, a verdadeira aberração da natureza, o sem sentido de tudo, o tosco, o que realmente me impressionou, que me tirou do eixo e me fez pensar: será que estou vendo isso mesmo? Surreal! Abominável! Pior, muito pior que uma gastroenterite. Mais feio que um gato cotó e uma Rolinha manca, assustador tal qual uma senhora curupira ao contrário ou uma revoada de serpentes. Se noção feito um cavalo de Ray Ban, um galderio passista ou uma vaca cadeirante. A fala do Sinistro de Economia sobre as empregadas domésticas. Sério, dá pra acreditar?
Show!