É um sobrado com placa de vende-se que está em reformas faz bastante tempo, muro de grades altas, pátio na frente, cachorros, um sótão com sacadinha, floreira e tudo. E não importa quantas vezes passo na frente da casa, nem o tempo ou o horário, em qualquer época do ano – domingos, feriados, Natal, férias escolares, luto nacional, final de Copa, pandemia mundial, o fim do mundo, não importa, em todas as ocasiões ele dará oi.
Já fiz vários testes, cruzei e retornei no mesmo passo pra confirmar: “Oi!”, “oi!”. Atravessei a calçada, fingindo mexer no celular: “OI!”. Boné, óculos escuros e manta enrolada no pescoço: “Oi!”. Pé por pé, camuflado atrás das colunas do muro: “o”, “i”. Em disparada, feito uma flecha: “ooooiiiii!”.
Manhazinha, serração, até o João de Barro ainda com a porta fechada, nem uma viva alma na rua, pisando em ovos, as chaves no bolso pra não fazer barulho. Espio da esquina, tudo limpo, observo da calçada do vizinho, nada, firmo o passo sem olhar para os lados, o queixo enterrado no peito e… Surge na janelinha do sótão, na ponta dos pés, por sobre as flores, aquela carinha redonda: ”Oie!”.
Faz chuva de transbordar a alma e lá está ele com uma capa amarela, galochas camufladas e um guarda-chuva de joaninha: “Oi!”. Um calorão de assar cusco, o asfalto derretendo sob os pés e ele lá, sunguinha do homem aranha, uma mangueira pendurada de chuveirinho, o peito roxo de picolé de uva: “Oi”.
Deve ter no máximo uns (oi)to anos. A barriguinha saliente de bisnaguinhas com achocolatado, os pés sempre descalços, sorriso de porteira aberta, os olhos pregados na curiosidade. Só o vejo com os cachorros, nunca há ninguém na casa. Passa o dia sozinho, sempre alerta com aquele “oi!” desafinado na ponta da língua.
Dias desses, ao despertar com os dois pés esquerdos, sem luz, suando desde as sete da manhã, sem café, depois de bater o mindinho no canto da cama, atrasado, engoli um mau humor com leite morno e saí de casa chutando pedra e grama. Indigesto, recebi meu “Oi!” matinal e tasquei logo um “tchau!”. Pronto, fechou a cara e entrou em casa sem olhar para trás.
Nunca mais o vi. E o pior é que a casa foi vendida. Agora não sei se era um amigo imaginário, meu alter ego, uma assombração bem educada, fantasma criança de algum recepcionista, filho de algum funcionário de empresa de telefonia, não o sei. Vizinhos relatam ouvir uma criança que chora copiosamente, dias e noites, na casa vazia.
Minha mãezinha conta que eu perguntava na rua, quando uma pessoa se aproximava, se aquela tinha que cumprimentar. Pode ser trauma de infância, né? Se alguém o conhecer, por favor, mande um “oi” em meu nome.