Até o seu Carlos, do caminhãozinho, foi afetado por raios de ultraviolência. Pessoa que tratava até das pombas de rua, deu pra chutar gato na calçada, não cumprimenta ninguém, passa o dia maldizendo tudo, agredindo os outros de graça. Grita seus preconceitos com as mãos, unhas e dentes.
Quarenta e cinco anos de casamento e jamais tinha levantado a voz para a esposa. Agora faz tortura psicológica em casa. Hostiliza a companheira em público, na frente dos estranhos, dos vizinhos, filhos e netos.
Reclama da comida na hora certa, da roupa mal passada, a sujeira nos vidros, o pó sobre os móveis. Diz que as coisas começaram a se perder quando as mulheres foram trabalhar na rua. Lugar de mulher é servindo o marido, educando filho e cuidando da casa.
Garante que o mundo está assim, fraquejado, porque falta “macho” como os de antigamente.
Seu Carlos não quer conversar com ninguém que não pensa igual a ele. Não admite que possam conviver pessoas com opiniões diferentes. Explica que existe uma razão acima de tudo e de todos. E está convicto que é a dele.
Passa o dia lendo e disseminando mensagens que recebe “nem sei de quem, mas não importa” via celular. Só assiste ao SBT e a Record. Não usa máscara, que chama de mordaça, nem por decreto. Teve a chance de se vacinar em casa, mas não quis: “ninguém vai me obrigar a nada”.
A praga que acometeu o seu Carlos do caminhãozinho se propaga em silêncio. Não há previsão de um antídoto. A disseminação e a banalização da violência batem palmas na porta da frente e são convidadas para sentarem à mesa. Velhas conhecidas dando novamente o ar da (des)graça, a maquiagem nova, conversadeiras e perfumadas.
Será que este surto de ignorância estava só encubado, latente, e aguardava a melhor temperatura, ambiente e pressão pra mostrar as caras de pau?
Bom, de qualquer forma, alguém tem aí um freteiro consciente pra indicar?