Está ali, escondida, os olhos arregalados, agachada atrás das recordações mais cabeludas, entre uma lembrança infantil e um compromisso de trabalho. Desperta antes e toma as iniciativas, decide por nós, mas não se revela.
Ali, bem ali, crava bandeira no cume do Everest de preocupações diárias. Aquele frio na barriga de mãos dadas com as coragens nossas. Sabe dos desejos todos, conhece melhor que ninguém nossas virtudes e desencantos, das maravilhas e angústias das quais somos forjados. E nunca aparece.
Há quem lide a coisa com bons modos, alguns exageram na forma de tratar com ela, outros ainda a ignoram, na intenção de que não se manifeste. Tentam sufocar seu ímpeto, como se possível fosse. Teima, resiste e não se mostra.
Cada um usa a graça que melhor convém. Chamam por apelidos íntimos, usam termos científicos, antigas expressões, variações em desuso, anglicismos, codinomes em disfarce e nada. Não dá as caras.
Agora, se bem encaramos o espelho, as vaidades nuas, despidas todas as máscaras sociais, por um ângulo que atravesse as frestas da nossa essência, é possível vê-la, está ali, dois olhos piscos entre o coração e a boca do estômago. Vivos, pungentes e curiosos – honestos conosco.
O mago, Saramago, sabia: “Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos”.