Incrível como as viagens mais marcantes são sempre de retorno. Na “Odisseia”, por exemplo, Homero narra a jornada épica da volta de Odisseu a sua terra natal: Ítaca. Em “Ulisses”, outro clássico, Joyce também nos conta sobre um regresso. Voltar parece mais interessante do que partir. Faço aqui este “nariz de cera” para trazer uma passagem, uma coincidência, curiosa e muito simbólica em minha vida. Um regresso, retorno improvável, reencontro que está bem próximo de acontecer. Explico:
Lá pelo final dos anos mil novecentos e oitenta, uma tia, muito querida, casou-se com um jovem, promovido imediatamente a meu tio, que fez toda a diferença na minha formação leitora e que reflete até hoje em meu interesse pelos livros, pela literatura, seu universo e possibilidades. Porque não se exerce influência sobre ninguém apenas com palavras, mas com exemplos de postura, atitudes, carinho, atenção e tempo doado. Era isso que meu tio Régis fazia. Dedicava seu tempo, carinho e atenção para eu menino, com meus dois enormes olhos curiosos de ver o mundo.
Lembro-me de almoçarmos juntos no refeitório da Cientec, empresa onde ele trabalhou, literalmente, até sua morte. Mostrava-me tudo. Os laboratórios, a biblioteca, o salão de eventos, o pátio, recordo cada cantinho, o cheiro dos móveis, os velhos computadores, na época, o que tinha de mais avançado em tecnologia. Jogávamos “Prince of Persia” em sistema DOS, monitor de tubo de imagem com tela preta e caracteres laranjas. Nada foi mais interessante na minha infância do que passar as tardes com meu tio naquele ambiente mágico.
Hoje, passados quase quarenta anos, depois de ser extinta pelo governo anterior, o espaço da Cientec passa a ser o Campus Central da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – UERGS, onde curso Licenciatura em Letras. Ali, nos mesmos corredores em que minhas fantasias alçavam voo. Onde meu futuro se desenhava sem que soubéssemos.
Retornar para este ambiente é muito emblemático, muito caro pra mim, uma coincidência comovente, digna das melhores surpresas do tio Régis. Será, sem dúvidas, um regresso íntimo, carregado de simbolismos, uma alegria particular, silenciosa com uma boa leitura. Aguardo ansioso o dia da volta. Vamos nos encontrar outra vez, tio, eu aqui, você, onde… onde…