Cardioinsistente

“Meu coração não se cansa
De ter esperança
De um dia ser tudo o que quer”

 

Uma goteira. Uma goteira chorosa bem no ventrículo esquerdo. A válvula mitral com rachaduras visíveis. O sangue oxigenado escapa em qualquer frestinha e faz um estrago imenso. Quando o músculo cardíaco (não vou dizer o nome porque eu choro) se contrai em sístole, fechando a passagem até os átrios, pulsa um soluço débil. Quando abertas as válvulas, em diástole, uma dor lancinante infiltra na circulação até a medula óssea.

Não sei se uma sutura bem feita resolve. Fio de polipropileno, agulhas cilíndricas de ponta cônica, os nós bem apertadinhos, quem sabe. Cola cirúrgica é também uma alternativa. Talvez cauterização. Em último caso, transplante. Só sei que tá vazando aqui dentro um riozinho viscoso e quente. Se apertar o esterno derrama e arde. Relaxando o corpo aumenta o buraco. É esse o problema de ser cardionsistente, ou seja, aquele que insiste pelo coração. (Chorei).

“Certo que é ele espremendo a cava até transbordar fininho o coração craquelado”.

Acho incrível essa máquina que trabalha vinte e quatro horas por dia, desde que a gente nasce, não aquece e nem desliga. Ainda carrega todo o peso de representar os sentimentos, sendo que, na verdade, na verdade, é o cérebro o culpado de tudo. É ele que alucina, cria expectativas, inventa futuros improváveis, faz planos sem usar o lado esquerdo. Certo que é ele espremendo a cava até transbordar fininho o coração craquelado. (agora foi quase).

O problema é que meu plano não cobre acidentes vasoapaixonantes. Terei que tratar sozinho. Ninguém pode estancar no outro um sangramento íntimo. No máximo se pode ter empatia com a dor alheia. E o pior é que escrever sobre isso rasga mais. Falar, então, nem consigo. Agora tô catando aqui uns paninhos pra limpar essa molhaçada. Tomara que não mofe tudo. Vou insistir num emplastro caseiro a base de pó de café. Quem sabe estanca esse refluxo na contramão do meu coração. (Oh, chorei de novo).

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