Eu passarinho

Dia desses perguntaram ao cansado cronista aqui: se fosse um bicho, qual gostaria de ser? Nem titubeei (usa-se ainda titubear?). Respondi: passarinho, ora! Mas não de gaiola, que das grades não sou afeito, nem me apraz uma dieta a base de alpiste, tampouco a solidão do cárcere e a melancolia de um cantar oprimido e triste. Passarinho livre. De preferência, pequeno porte, exótico e silvestre de pai e mãe.

Tirando pardais e periquitos que acho uns, muito sem graça e, os outros, demasiado barulhentos. Talvez uma saíra–sete-cores, um trinca-ferro, canário-da-terra, sanhaço-de-fogo… Só pra ficar nos com hífen. O que não me impede também de ser o azulão vistoso, uma viuvinha branquíssima, um frade e seu topete encarnado. Acho que seria bem feliz como passarinho. Há tanta pombinha solta por aí, tanto galho e fio de onde alçar voo em céu aberto.

Claro, tem todos os perigos iminentes de ser uma ave ornamental, tão frágil e exposta às leis da natureza, quanto à maldade dos homens. A letra fria da medicina veterinária categoriza como ornamentais todas as aves sem destinação para abate, o senso comum, porém, popularizou o termo para se referir àqueles animais que podem ser criados quase que exclusivamente para finalidades estéticas. Embora, a gente saiba, existam pessoas com o mesmo propósito.

“Quem ama, mesmo, liberta, jamais oprime nem aprisiona. Serve para bichos e gentes”.  

Meu paizinho conta que é passarinheiro desde a infância. Em minhas memórias de menino tem sempre um viveiro, poleiros, larvas e laranjas pra dar de comer, um alçapão velho, varas de visgo…  Diz ele que os ama, e que não abre as portinholas soltando os bichinhos porque não durariam muito em liberdade, visto que já nasceram cativos e não sabem buscar alimentos nem se defender dos predadores. Desculpa esfarrapada. Quem ama, mesmo, liberta, jamais oprime nem aprisiona. Serve para bichos e gentes.

Fosse eu um passarinho e, se pudesse escolher a espécie, definitivamente, seria um Pitangus sulphuratus, ou, seguindo as onomatopeias ao som do seu canto: em inglês, kiskadee; em francês, qu´est ce; no espanhol é conhecido como bichofeo. Mas podem, os íntimos, me chamar de bem-te-vi. Dorso e barriga de cor amarelo vivo, uma listra branca acima dos olhos e a cauda preta. Lindo traje, né? Iria a um baile funk vestido assim, embora talvez não me deixassem entrar.

Ser visto em matas, à beira de lagos e rios, em plantações e também nas zonas urbanas. Em regiões de floresta densa, habitar praias e margens. Andar aos pulinhos, bicar frutas despretensioso, limpar o bico pra evitar a pivite, despegar em rasantes num piscar de asas, fugindo de gatas com intenção de me comer vivo. Pousar nas copas mais altas e, quando passares, gritar pro mundo que te vi, ou ainda, imitando o canto de um primo distante, dizer que te quero-quero.

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4 comentários em “Eu passarinho”

  1. Gilmar de Azevedo

    Tiago, lindo seu texto e que bela escolha. “Eles que aí estão/Atravancando meu caminho/Eles passarão…/Eu passarinho” (Mário Quintana). Nesse tema, além de seu ótimo texto, temos um de outro gaúcho famoso assim como você: Luiz Coronel, “O imitador de passarinho”. Ele, um imitador, você, um passarinho. Penso que a grande experiência vai ficar com você. Abraço!

    1. O Luiz Coronel é mesmo um mestre, eu, passarinho!
      Agradeço a leitura e os comentários sempre motivadores, professor.
      Abração!

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