Juízo

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Meu primeiro instinto, confesso, foi cerceá-la, reprimi-la, abortar. Depois, analisando melhor, o certo, mesmo, seria não tê-la. Agora que veio à luz, deixo que se crie. São essas minhas leituras a mãe de todas elas. Nascem dos livros, não tenho dúvida. Das mais iluminadas às de jerico; perdoe, jerico, a comparação. Fervilham debaixo dos caracóis que ainda resistem nos meus cabelos. Daí a relevância na tentativa de contracepção. Em evitar a interação, destruir o pensamento crítico, o acesso a cultura. Quando instigadas, as boas, as genuínas, empunham a espada do questionamento.

Chapéu, capacete, touca peruana, de natação, gorro, peruca, gumex, nada disso é capaz de contê-las em sua rebeldia. Não se interrompe o fluxo delas assim, na marra. Nem um saco plástico na cabeça pode sufocá-las. Não desligam-se cortando fios. Nunca perdem o sinal. A lobotomia é ineficaz. Impô-las viu-se inviável. A troca o que mais aproxima-se de um ponto comum. Trocar indica abrir mão de algo para receber o diferente. E, tudo que é diferente é estranho, assusta à principio, causa desconforto. Tendemos a rechaçar.

Aperto o cerco. Não as alimento nem lhes dou de beber. Calo-me, na intenção de retê-las, e quase me escapam pelos ouvidos essas mais afoitas. Desligo as luzes todas da casa. No breu, cintilam em minha órbita. Mergulho a cabeça num balde d’água e decantam, levíssimas. Algumas, carrego à cabresto. De outras, me esquivo. Têm as recorrentes e as que nunca me haviam ocorrido. Dormir, todavia, nas as encerra. Pelo contrário, toquei-as em sonhos, são belas e nítidas, firmes nos seus princípios, claras em seus discursos.

Não menosprezarmos seu poder de transformação é fundamental. Criar-se ferramentas que ampliem sua abrangência é questão de vida. Oxigená-las. Descartarmos as que já estão obsoletas. Ouvir novas. Revisitar as antigas. Acordar para realidades impossíveis. Fugirmos, incansáveis, do repetido, rejeitarmos o humilde lugar que nos foi destinado no corpo social. Pesar as que valem esforço e dedicação. Crer que ainda é possível. São tempos de resistência os que estamos (sobre)vivendo.

Pensantes, inconformados por natureza, os que as usam e abusam das suas, sem moderação. Poderosos e escassos leitores, posto que leitura é poder e o poder é para poucos. Os conscientes demais dos seus direitos políticos, aqueles com inteligência acima da mass media, esses não servem a ordem, a nova ordem mundial que se impõe. Aos que as tomam, porém, feito armas, não existem fronteiras, não há secção, tampouco prisões. O que pode ser mais subversivo que as ideias? A essas, não se consegue encarcerar.

 

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