Escrevo, ainda nos é permitido, nos dias que sucedem as eleições de dezoito. Registro de um momento sem comparação em nossa esgualepada democracia (?), idolatria, hipocrisia, selvageria, pilantraria, agonia, autofagia, ou, seja lá o nome que queiram dar para o estado em que estamos vivendo. Hoje abracei o Paulo Maloqueiro tão apertado que fiquei eu com cheiro de cobertor de rua. No ônibus, fiz questão de cumprimentar, um por um, os trabalhadores. Cada aperto de mão carregava uma angustia de dar choque. Passei pelas prostitutas que encerrava o experiente, já com o sol esticando a cabeleira na Avenida Farrapos e nos consolamos, mentalmente, os olhos embotados. Aos ambulantes também proferi algumas palavras de reconforto, reparei que o sorriso dos bons vendedores brotou amarelo queimado. Os índios, na Rua dos Andradas, quinhentos anos de resistência, me pareceram mais cansados dessa vez, entanto, mantêm-se em pé, mesmo descalços, maltrapilhos e famintos. Recicladores de lixo, famílias que vivem sob o Viaduto da Conceição, andarilhos, flanelinhas, desempregados, doentes de crack e cachaça, refugiados, todos com um ponto de interrogação na cabeça e um alvo estampado no peito. Porteiros e ascensoristas, o pessoal da limpeza e o da cozinha, da construção civil, os manobristas, os que vendem lanches e cafezinho no Centro Histórico, atravessam suas rotinas com o peso dobrado nos ombros e os olhos fincados no chão. Um vira-lata, manco da pata traseira, estaqueou na minha frente, a língua de fora, deu um suspiro imenso e seguiu seu trote falseado. Pra quem não nasceu pet, só resta essa vida de cão. Deixo um apelo aos meus amigos, todos eles, mas, principalmente aos que pertencem as minorias, os negros, os gays, homens e mulheres, artistas de rua, brancos, héteros, viado, sapatão, aos pobres, porém, não de espírito: ninguém solta a mão de ninguém.