em memória de Leonel Antônio de Souza Sobrinho,
Eu nunca sonho. Ou quase nunca lembro o meu sonho. Mas ontem sonhei com meu avô materno. Acho que nunca abracei meu avô…
No justo tempo em que convivemos, quando os meus olhos recém começavam a enxergar as coisas, os dele já estavam emoldurados, gastos desse mundão que agora me cortejava faminto. Meu avô já era velho quando eu percebi a sua dimensão. Busco na perturbação das gavetas da minha memória e não encontro um momento, uma passagem, lembrança fugaz que seja de algum desconforto que envolva a sua presença gigante ao lado de m(eu) menino. Tudo era lúdico e harmonioso, para tudo uma rima, um mover-se lento, ritmo fora do compasso do tempo, um verso, uma história, um amargo e um radinho de pilhas. Menos abraço. Casado com a dona Idelzira – que combinou para esta minha cor de cuia – teve seis filhos, entre eles, minha santa mãezinha, pessoa no mundo que mais faz questão de me amar e de transbordar nesse amor genuíno.
Meu avô era Prático, conduzia embarcações no Rio Jacuí. E tinha diversas habilidades especiais, entre outras tantas: jogar general, assoviar chorinho, discutir política com lucidez e elegância, entender de Sabiás e hipnotizar um neto tocando violão à beira da cama. “O chão dá / se a gente plantar / se a gente não planta / o chão não dá / o chão não dá”. O meu avô tinha um mercadinho em Taquari, chegou a ser vereador no município, vivia muito bem, obrigado, até ser engambelado por um sobrinho muito vivo. Perdeu tudo, por um momento, inclusive o juízo. O tempo, que sempre foi ainda mais velho que o meu avô, já branqueou os cabelos com esperanças na humanidade e só colheu decepção. Gostaria de tê-lo abraçado bem forte nessa ocasião. “Sabiá lá na gaiola fez um buraquinho e / voou, voou, voou, voou / E a menina que gostava tanto do bichinho / chorou, chorou, chorou, chorou”.
No sonho era dia claro em algum quintal da minha infância, fazia sol, mas estávamos bem agasalhados. No ar, fervura de rapadurinha de leite, ao fundo, uma voz de locutor narrava as previsões do dólar ou do tempo, tanto faz, meu avô e eu estávamos em cima de uma árvore, suas mãos branquinhas, a pele fininha de se enxergar as veias, ríamos de algo que só nós entendíamos, mas não nos abraçamos, nossa cumplicidade sempre foi intelectual, sensível e fluída, muito mais que sinestésica. Aquele abraço, vô, carinho… Sinto saudades … Tirei uma do Pixinguinha… A coisa não anda fácil, mas tá todo mundo com saúde… As gurias estão enormes… Apareça mais vezes, vô, nem que seja só pra um “olá, guri, como vai rapaz”. “Com licença meus amigos / vou falar da minha terra…”.
Descreveu muito bem teu avô, cheguei enxerga lo aq na minha frente com aquele assobio baixinho, parace que era pra ele mesmo aquela melodia.
Obrigado. Queria ouví-lo assoviar agora. Abração, Rosane!