888

Era só uma caminhada pra aliviar a válvula da panela de pressão que virou a minha cabeça nesses tempos de mil graus. Mas vai combinar isso com os meus pensamentos, quando começam a apitar e a fumaça já escapa pelos ouvidos. Aí que surge na crônica, entre a esquina da Adda Mascarenhas com a Karl Iwers, uma vela. Uma vela de aniversário de oito anos. Uma vela azul de aniversário de oito anos.

Tá, eu podia ter passado e nem notado. Ou, notado e não ter dado nem bola. Notado, não ter dado bola e esquecido. Mas quem disse que a minha cabeça escuta alguma coisa quando fervilha. Oito é meu número favorito. Tem aquele lance do símbolo do infinito, sabe? Era o número da minha camiseta no tempo que Dondon jogava lá no Sarandi. Nasci em oitenta, olha o oito aí, sempre atravessando meu caminho.

Uma vela é muito simbólica. De aniversário então, pode representar bastantes coisas. Azul ainda por cima, carrega todo um discurso. Estava inteirinha, a cera intacta, o pavio ainda virgem, largada no asfalto a suplicar um bolo, uma torta, um cup cake que seja. Foi perdida? Será algum trabalho espiritual? Foi colocada ali, de propósito, exatamente no ponto onde cruzam cronistas com a cabeça chiando? Jamais saberei.

Agora fico pensando que em alguma festinha de aniversário, algum menino, ou menina que goste de azul, não vai assoprar a velinha. Uma tia pergunta: e a vela, alguém se lembrou da vela? E se fosse um aniversário de oitenta anos e sobrou só o zero solitário no topo do bolo? E se fosse de dezoito e agora tá lá só o número um, azulzinho, acompanhado de sete velas brancas, pra fechar a conta?

Dá pra fazer muita associação. Oito anos, por exemplo, tem oito letras. Nos meus oito anos, vejam, era outubro de oitenta e oito. O capiroto assumiu em dezoito. No exato momento em que escrevo essas maltraçadas, olho no relógio, adivinhem: oito horas e oito minutos. Sério, era pra ser uma caminhada pra desopilar. Agora tá cheio de oitos boiando na sopa da minha cabeça de panela abafada.

Então pensei em recolher e trazer pra casa. Mas vai que é mesmo um trabalho espiritual pra enfeitiçar cronistas desavisados. Quem sabe tirar uma foto, pra lembrar de escrever sobre. Não precisou. A vela veio comigo, sentou-se ao meu lado e está aqui até agora, chorando cera quente nos meus ouvidos e derramando no teclado. Que tipo de pessoa perde uma vela de aniversário de oito anos e não volta pra buscar? E que tipo de pessoa escreve uma crônica com 444 palavras só pra multiplicar por dois e somar 888?

 

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2 comentários em “888”

  1. Gilmar de Azevedo

    É isso, Tiago, esta vela enfeitiçou-o como cronistas avisado. Li agora sua crônica e não há nada com 8, mas é instigante acompanhar sua caminhada com o 8. Bom, 8 + 2= 10, que é a nota que dou pelo texto. Olha aí, já estamos nos movimento. Parabéns, beíssima crôncia. Avante!

    1. Agradeço (Oh, oito letras!} , professor !
      Leitores qualificados e comentários generosos, fico feliz.
      Avante!

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