– Bonjour, comment ça va?
– Bonjour, ça va bien!
A saudação é de um desses negros maravilhosos responsáveis pela coleta seletiva aqui na minha rua. Uma prova falada de que tudo será possível nesse desafio mágico a que me propus. Rechear de palavras escritas, animadas, no sentido de cheias de vida, sempre novinhas, os dias do meu futuro. A sombra de uma nuvenzinha teimosa, em forma de guarda sol, me escoltou pelas calçadas, somente a mim, até meu destino. Foi eu atravessar a rua e me hipnotizaram os olhos um dourado que refletia no meio do jardinzinho mais amado que eu jamais percebera ali, bem na minha passagem habitual. Pois bem nesse jardinzinho que eu a encontrei. Encontrei mesmo. Uma reluzente lâmpada mágica. Dessas dos gênios, sabes? Esfrego a lâmpada, afoito, mas nada acontece. Tento com um pouco mais de pressão. Nada. Não se fazem mais lâmpadas mágicas como as de antigamente, pensei. Começo a polir, quase um afago, com menos força e intrepidez e mais jeito e carinho quando um flash de luz misturado a uma fumaça com cheiro de chiclete revela flutuando bem a minha frente, em posição de lótus; e com o vestido que eu lhe dei de aniversário, a minha mulher.
Eu sei, eu sei. Nada pode ser mais surreal do que a sua própria mulher flutuando em posição de lótus recém liberta de uma lâmpada mágica. Mas o que ela estava prestes a me pedir é que eu considero a mais extraordinária de todas as sortes em que eu venho tropeçando diariamente. Primeiro ela esclareceu que os meus três desejos já tinham sido realizados. Lembrou-me que estavam na escola naquele horário e que, inclusive, daqui a pouco teria que buscá-los. Convenceu-me ser meu dever, por tê-la libertado da lâmpada, conceder-lhe um desejo. Veja minha situação, caríssimo leitor, não é bom contrariar um gênio da lâmpada. Imagine sendo esse gênio sua esposa. Não tive saída. Atendi o entusiasmo dessa minha gênio da guarda. Afinar um espaço encantado para leitura, criação literária, ideação e ousadia criativa. Cheio de graça. Versar nesse espaço com os que quiserem também animar suas próprias palavras escritas. No sentido de enchê-las de vida. Sempre novinhas. Nesses tempos, onde as paredes têm ouvidos e os ouvidos têm paredes, enxergo os encontros como um oásis. Nele descansa um imenso espelho d’água vigiado por um trampolim prateado feito de algum alumínio aeronáutico. De onde será possível aproveitar o salto e desfrutar o mergulho; ou, simplesmente, sair voando. Quem, vamos?
Esclarecimentos: os únicos fatos reais nesse texto são: o diálogo com o pessoal da coleta seletiva. A genialidade da minha esposa. E a Oficina de Criação Literária Crônicas de Graça, mediada por Rubem Penz e esse grosseiro rapaz que vos escreve esses absurdos, no Centro de Estudos Educare na Zona Norte de Porto Alegre. Porém, achei que seria mais fácil que acreditassem nessa historinha do que nos motivos sinceros que me levaram apaixonar pelas letras. Aparece lá no CEE que eu te conto a verdade. Beijo, me liga.