Homem ao mar

aviaopreso
“Atenção, senhores passageiros, informamos que, devido às más condições do tempo, o aeroporto encontra-se fechado para pousos e decolagens. Sem previsão de retorno.”
– Navegar é preciso. Voar é precário.
Concordei sorrindo e achei até espirituoso o comentário do senhor que estava na minha frente na fila do check-in. Deveria ter encarado como um presságio. Depois de perder o teto, fiquei sem chão: “overbuque”.
Essa expressão, abrasileirada na crônica por este grosseiro rapaz aqui, substitui o que as empresas aéreas deveriam nos dizer: olha, vendemos mais passagens do que assentos disponíveis e, desta vez, você ficou de fora. Tome aqui uma barra de cereal e aguarde o próximo
A recíproca também deveria ser permitida. Quando chegasse a conta do cartão de crédito, diríamos às companhias: olha, gastei mais do que o previsto e não pagarei esta parcela. Tome aqui uma aguinha e aguarde a próxima fatura. “Overrevanche”.
Passada a fase da fúria, chegando no estágio da raiva controlada, fui informado por uma dessas moças da mesma empresa, que dão informações completamente diferentes umas das outras, que o próximo avião sairia dali a três horas. Depois de mudarem quatro vezes o portão de embarque, que já estava mais para um portal, acomodei minha bagagem de mão. Minhas malas já haviam sido despachadas. Só nunca descobri pra onde.
Sinto em viagens de avião a sensação de estar em um eterno elevador. Com a diferença das aeromoças que, talvez por estarmos pertinho do céu, parecem anjos barrocos, enquanto nos elevadores, demônios perguntam do fosso: desce?
Tem aquela voz canalha do comandante anunciando a altitude e velocidade. Puro sarcasmo! As minipoltrononas. As comidas com gosto de isopor. Definitivamente, não gosto de voar. Imagino quando era permitido fumar na aeronave. E tinha gente que fumava mesmo.  A falta de educação viaja na janelinha.
Meu trajeto era para ser feito em uma hora e meia. Eu já estava havia cinco horas tentando chegar. Desembarquei quinze minutos depois do término do meu compromisso. Munido de todos os meus argumentos, comprovantes e estoque de paciência, depois de duas horas e meia conseguiram me alocar em um voo de volta pra casa. Com escalas.
Saldo da viagem: sete horas em aeroportos, quatro horas dentro de aviões. Compromisso perdido e bagagem extraviada.
  Na próxima, vou de navio.
*texto premiado no Desafio Literário, competição de escrita criativa organizada pelo Instituto Estadual do Livro (IEL) durante a 62ª Feira do Livro de Porto Alegre. Tema: viagem. Gênero: crônica.

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