Plumitivo

A razão de ser escritor

             Seguido meus estimados homens sérios, muito apreensivos, me passam a mão pelo ombro, franzem o cenho e perguntam o que ando fazendo da vida. Respondo em rajadas desse tipo: sabes, ando demasiado plumitivo. Um criador emocionável entende? Um autor, inventivo. Descobridor, mesmo. Olheiro quixotesco e fecundo. Um grave causador. Ando bem assim. Tossem, limpam as gargantas e disparam: tá, mas, tu ganhas dinheiro com isso? Explico que andar a fazer isso da vida já é minha recompensa. Muito, muito maior do que qualquer coisa que possa vir a obter como consequência. Sei que se importam comigo. Querem saber o que eu faço com meu tempo. Digo que, às vezes, apenas jogo a cabeça pra trás e fico só pensando. Não conto em quê. E que tenho queda pra ouvir o que diz a telha quando a chuva é grossa. Sei em mim essa vocação. Nesses momentos, alcançassem tocar minha paz, bem de leve, certo que serenavam. Gostava tranquiliza-los. É só isso, viu. Mas, não acontece. Encerram a conversa ainda mais aflitos. Aconselham a prestar um concurso público. Ligam depois pra minha senhoura e perguntam o que está acontecendo.

            Enxergam esses meus seriíssimos senhores, que é muito custoso viver feito um desses causadores graves. Para os causadores graves, no entanto, não viver como um causador grave torna-se impossível. Um engodo. Uma farsa monótona, previsível e encenada. Marionete enleada em habilidosas mãos ocultas, conduzido aos odiosos lugares onde jamais desejara ir. Nos momentos mais inoportunos do dia e da noite. Tentando convencer pessoas normais, essas pessoas que não saudamos na rua, a realizar alguma tarefa, uma compra, visita sem compromisso. Tentando convencê-las tomar uma decisão, terminar um trabalho. Motivá-las assumir uma função, efetuar um pagamento, uma ligação, enviar um orçamento, um currículo, responder um e-mail, responder o questionário. Postar no grupo. Adicionar um contato, enviar nota fiscal, preencher o recibo, trocar de fornecedor, anotar um endereço. Influenciá-las assinar o cheque. Receber uma entrega. Transmitir um recado.

              Entendem meus amados senhores como extraordinário, no sentido de fora de ordem, ser desses fecundos inventivos. Aos fecundos inventivos, porém, ser um fecundo inventivo não é uma, dádiva, uma graça, destino, castigo, carma. Não se sentem eleitos ou amaldiçoados por forças sobre-humanas. Sequer carregam pesado fardo, pois que o conduzem com a gravidade da alma. Um criador quixotesco não é de outro mundo. Bicho grilo, cabeça nas cumulonimbus. Respira (por aparelhos) o autor entusiasta. E, venoso, nele pulsa o mesmo encarnado e quente fluido dos meus sábios senhores. O plumitivo se auto elege como tal. Resumiu assim tão belamente essa vocação, em certas cartas, o professor Mario Vargas Llosa: “uma predisposição de origem obscura que leva certos homens e mulheres a dedicar a vida a uma atividade para a qual, um dia se sentem chamados, quase obrigados a exercer, por intuir que somente abraçando tal vocação – escrevendo histórias, por exemplo – se sentirão realizados, de bem consigo mesmos, dando o melhor de si, sem a dolorosa sensação de estar desperdiçando a vida.”. É só isso, viu.

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