Meu eu literário, literalmente, sofre de escrevizofrenia. Leio coisas minhas que nunca escrevi. Confundo pessoas, nas ruas, com personas dos romances. Tem dias que só me manifesto em prosa poética. Em outros, sou pura resenha. Amigos imaginários, vários. Poucos de carne e osso. Em alguns, sei que posso confiar. Em quais, tenho dúvidas.
A saúde mental de quem se propõe a escrever é facilmente questionável. Ora! Só com a consciência doente para inventar essas realidades fictícias que mostram nossa crua (sobre) vivência. A vida, de verdade, é sã. Não essa alucinada filosofia de boteco. Ou seria o contrário? No mais, tudo tranqüilo. Sigo assim, equilibrando. Às vezes estou bem. Às vezes escrevo.
Aquele que não lê, também é doente. Padece por falta de conteúdo. Sem exercício, o cérebro sedentário cansa fácil. Não acompanha o raciocínio rápido, lógico e criativo dos leitores. Ler é contagioso. Escrever é contagiante. Sou fisicamente saudável. Enfermo do prólogo ao ponto final. A cada parágrafo, frases infectadas colocam em risco o conteúdo do texto. Mas não te preocupe leitor, interpretando bem, estás imune.
Carrego sempre comigo: bloquinho e caneta, álcool gel, dicionário e um anti-térmico. Vai que tenho um mal súbito, cercado de apressados esquisitos, quem lembraria de anotar a hora, data e condições do tempo? Morro de medo só em pensar que perdi o gancho para um bom roteiro. Mesmo que seja meu último verso, mesmo que este não tenha a rima seguinte, assim mesmo, quero uma última revisão antes de mandar meu rascunho de vida ao Grande Editor.
O distúrbio intelectual, cega quem planeja narrar o nunca antes lido. Concebendo de olhos fechados, garanti luz própria a este escrito insano. Tremedeira nas mãos é sintoma comum aos acometidos por arritmia escritiva. A caligrafia agoniza ao ouvir o teclado. O lápis de cor, pálido, estremece ao som da impressora. Minha voz literária, que é fanha e gaga, além de não falar coisa com coisa, agora da palpites na trama. Quem decide o que sofro e escrevo sou eu, ou um dos meus eus com o ego insuflado, não você, que me sussurra ao pé do ouvido. Aliás, quem é você, usando minhas roupas, sentado aí, escrevendo? Só pode ter sido você. Pois eu, com certeza, jamais escreveria essas bobagens.
Texto publicado na antologia Santa Sede Crônicas de Botequim, safra 2013. Editora Buqui.
Adorei, Tiago! Saúde mental serve pra quê mesmo?
Zuzu! já nem me lembro também…
Obrigado pelo carinho!
<3 beijos