Ruína de copas

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Vermelho calcinha, somente nas unhas dos pés. Nas mãos, nude. Aquela cor de pele lambida. Francesinha no dedo médio do pé direito e da mão esquerda. Favorece na Conexão Biotoque Afrodite. Whisky e cigarro, antes e depois. Durante: Halls preto, óleos aromáticos e preservativo sabor morango. Luz Negra foi o nome que adotou. Trabalho e prazer misturam-se feito um beijo técnico de língua. Neta de cafetina. Pai ignorado. Legitima filha da ponta. Pensa em deixar a vida fácil, porém, leva tanto jeito pra coisa que não enxerga alternativas descentes. Usa absorvente de camomila, diz que é pra acalmar a perereca.

Amores, alguns. Com horário agendado. Clientes, muitos. todos sempre muito preocupados em gozar. Preocupados com o telefone celular, com o dinheiro, as esposas e filhos. Nessa ordem. foi uma única vez ao cinema(pornô). Sentiu asco. Prefere sex shop a shopping center. Agenda lotada até a próxima Copa.

Dia desses foi intimada a casar. Assim, no seco e no civil. Igreja evangélica, pastor e tudo. Henrique Manso, da família dos Milio, herdeiro de terceira geração, não resistiu a conexão dedos médios. Rico, para os amigos, Riquinho, para os um pouco mais que isso, era tido como levemente delicado, embora muito mais delicado do que leve, visto seus cento e vinte tantos quilos. Apesar da massa corporal, tinha uma fragilidade aparente, prestes a quebra-se inteiro a qualquer momento. “Riquinho é um castelinho de cartas”, comentavam os faladores.

Ele, um comedor ( no sentido alimentício da palavra) convicto e compulsivo.

Ela, uma erva daninha. Trepadeira.

O matrimônio ia bem, obrigado, regado a destilados doze anos, tabaco e generosos banquetes oferecidos a grupos seletos. Rico, abstêmio, fazia as honras da casa. Enquanto Luz cintilava entre os convivas, trocando a piteira de tempos em tempos, despia os presentes com os olhos. A experiência adquirida nos tempos de “massagista” fez com que desenvolvesse uma técnica exclusiva pela qual consegue dimensionar o tamanho do pênis de um homem somente pelo toque no lóbulo de suas orelhas. Em raríssimas exceções errou por meia cabeça.

Quando Riquinho viu sua Luz Negra faiscando perto de Benjamin  D´Otávio Alcântara de Mello Gutierrez y Orleans, da família dos Multi, sentiu a sorte escorrer-lhe perna abaixo.

-Olá, que coincidência você por aqui. só não estou lembrando seu nome – diz Luz Negra, estendendo a mão na altura dos lábios daquele homem que não acabava mais.

Durante a festa, Henrique Manso ainda avistou-os ao longe, no jardim, sentados lado a lado. Entre brindes e gargalhadas, acariciavam-se as orelhas. e riam. E pedir outra garrafa. Ruía seu castelinho de copas.

 

Texto publicado no livro Cobras na Cabeça Crônicas (ir)reverentes, editora Buqui. Homenagem aos 40 anos dos personagens As cobras de Luis Fernando Veríssimo. 

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