Casamento realmente é uma droga. Calma. Explico. Sabe-se que difere um veneno do remédio apenas a quantidade administrada pelo usuário. Qualquer desequilíbrio nas proporções e o que era pra ser um alívio assume características que podem trazer efeitos colaterais irreversíveis. Vide bula. Porém, na dosagem correta, essa droga consegue benefícios de longa duração. Vejam meu caso, por exemplo, atesto por esses dias (não sei bem o dia, mas não comentem isso com a minha senhoura) vinte anos de tratamento, digo, de relacionamento. Há, é claro, quem prefira as luxúrias da solteirice. Talvez ainda não tenham provado do erotismo da intimidade. Ou não. Encontro outros, ainda nesses dias, doentes à procura de bons casamentos. Esquecem-se que para se ter um bom casamento é necessário primeiramente ser bom. De corações vendados, estão buscando uma virtude no outro que não conseguem encontrar em si mesmos.
Até os meus dezesseis anos posso garantir que fui muito feliz. Então, num arroubo de rebeldia e coragem, ignorando as contra indicações: contrai. É que eu não conseguiria ser feliz uma vida inteira, sabe. Pelo menos não sozinho. O fato é que normalmente casa-se com a ilusão do felizes para sempre. Isso que eu acho estranho. A felicidade não depende de um contrato entre duas pessoas. Quem não consegue ser feliz só, acompanhado é que vai ser impossível. Aprendi que no casamento existe uma pessoa que está sempre certa. A outra é o marido. Confesso que administrar um marido é tarefa para fortes. Agora, uma esposa, tem certos dias, naqueles dias, que é vital evitar seu campo de visão. Vá por mim. Já consegui ficar invisível um ciclo inteiro. O casamento, conforme conhecíamos , como o dos nossos pais e avós, está com doença terminal. Mulheres não querem mais esposo/filho nem marido/patrão. Algumas estão dispensando inclusive o gênero. Novas liberdades criaram outros níveis de relacionamento. Nem entendeu o que estava acontecendo direito e já se acabou o homem que ajudava em casa. Hoje são ambos ajudando-se em qualquer ambiente ou nada feito. É necessário bastante respeito envolvido. E eu nem vou falar aqui do amor. A verdadeira pílula que garante o dia seguinte. Que deve estar sempre à mão, ser ingerida, após uma respiração profunda, suavemente com um copinho de paciência. Desse eu já não me trato mais. Considero-me um caso perdido.
E tem a prole. Sim, porque mal encerra a pressão pelo casamento e inicia pelos filhos. Engana-se profundamente quem acredita em vida após a paternidade. Sua vida agora terá crises de cólica, vai precisar de uma escolinha e faz xixi na sua cama no meio da madrugada. A primeira vez que te chamam de pai, olha, é indescritível, da mesmo uma vontade de chorar. Já pela milionésima vez, no espaço de quinze minutos, a gente chora de verdade. Vejo o olhar de pura compaixão dos amigos, “três filhas, é?”. “Não deve ser fácil”. Vivo com quatro mulheres, claro que não é fácil. Mas é extremamente gratificante. Comovente. Enriquecedor, diria eu em algum delírio alcoólico. Tenho uma filha jovem adulta, que até fala comigo; uma pré-adolescente, que fala pelos cotovelos; outra criança, que nem fala direito; e a minha mulher, que dá a última palavra. Foi essa composição, misturada à rotina alucinante dos nossos tempos, que me acometeram os dias nas últimas duas décadas. Em vezes de separações sadias eu sou ou não sou um doente? Mais que isso, um viciado. O casamento realmente é uma droga. Meu remédio. Eu sou um adicto. Faz vinte anos. Só por hoje.