Passional

letras-foda

Pensava que acontecia é na vida dos outros, nos filmes, novelas das sete. Não comigo. Enfim, agora entendo os poetas. Boêmios e seus cotovelos intumescidos. O que não consigo entender é por que eu, por quê? Interessados não faltariam. Não é o caso. Existem demandas e ofertas equilibradas. Há os que estão à procura. Abertos. Dispostos. Sonham com isso. Rezam pra que aconteça em suas tão desgraçadas vidas. Na minha é que não cabe. Não tenho espaço suficiente. Falta-me sorte. Falta o tempo. O ar já me falta.

Tanta gente garimpando palavras amigas, tanto carente sozinho por aí. Por que logo comigo? Somam-se incontáveis solitários, mal amados, em guerra com o cupido. Eu não. Já tenho muito por quem sofrer. Talvez outra pessoa mais necessitada. Minha tia solitária solteirona, por exemplo. Não eu! Eu não careço de mais essa chama. Tenho três filhas, mulher, uma rotina, pai e mãe vivos, irmãos, sobrinhos, tios, primos, afilhados, carro, um lar, finais de semana, cerveja artesanal, meus livros, amigos, saúde. Não me falta coisa alguma. Muito menos uma coisa dessas.

Falta de vergonha na cara, me confessa o espelho.  Fui pego despercebido – eu novamente, tentando me consolar. Alguns buscam por isso uma vida ou duas e não passam nem perto. Desatento, trançaram minhas pernas. Estamos cegos, meus olhos e meus andares. Cantam silêncios em meus perturbados ouvidos. Move-se o mundo numa esteira elétrica sob meus pés. E eu assim, em estado de choque. Tomara que passe. Mas bem devagar. Eu, que já tenho essas coisas de mais e sobrando, não esperava que fosse assim mesmo, como todo mundo fala. A gente é que nesse estado não escuta ninguém, mesmo. Fica bobo. Perde a noção do ridículo.

Só essa vontade de chorar sem motivo é que me incomoda um pouco. Falta de apetite. Desatenção. Isso eu já superei. Agora, essa vontade de chorar por nada acaba comigo. Tudo bem que é um choro de alegria, de gratidão. Aquele choro aliviado de quem encontrou algo que estava procurando faz muito tempo. Lágrimas de um reencontro. Pranto santo. A cara lavada de orgulho. O peito sangrando esperança. Sabe, apaixonei-me pelas letras. Não consigo esconder mais de mim. Logo eu, que já venho faz tempo sofrendo paixões bem resolvidas. Valha-me, Santa Mafalda. “Justo a mim coube ser eu?”.

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