com fiança

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Estava arrebatada. Entregue. Depois de tantos relacionamentos efêmeros chegou pensar que jamais se envolveria profundamente com alguém. Quando se deu por conta, já ascendiam coraçõezinhos dos seus olhos sempre que enxergava seu Gato. Assim mesmo, com G maiúsculo, nome de batismo. Gato. Não, não era apelido. Gato Ferrazzo. As amigas tentaram alertar das armadilhas de se aventurar com felinos desse porte. Bom de papo, cozinheiro e carinhoso. Lindo. Reservado. Usava um juridiquês malandro. Conhecia de arte moderna. Literatura. Viagens. Tudo de ouvir falar. Ela suspirava acariciando os bigodes do seu bichano com mais de um metro e oitenta e olhos de um azul selvagem, como o próprio os descrevia.

Passara mais uma noite inteira em farras melodiosas por telhados imaginários junto ao seu Gato dos sonhos. Ainda podia sentir o gosto, e alguns pelos, em sua boca. Leu a mensagem no telefone ainda um pouco sonolenta. “Gata, careço um aparte consigo. Assunto delicado, urgente, não posso mais declinar. Preciso encontrar-te. Ainda essa noite. Amo-te. Miau.”.  A manhã encalhou num banco de dúvidas. Encheu de areia aquele barquinho de esperança que, agora, já se encontrava à deriva. Será casado?  Gay? Doença terminal? Teria filhos? Problemas com a polícia? Seria um esquerdopata? Um destroextremista?

Ligou. Quem sabe, por descuido, entre miados, pegar o Gato no pulo. Nada. Bicho sestroso. Esperto. Escaldado. Tergiversava. Ágil. Escapava do assunto. Garantiu que não era coisa grave. Só pediu segredo. Que não comentasse nada com as amigas. Ele marcou num barzinho discreto e reservado, bem sujinho é verdade. Um pedido de casamento? Um fora, talvez? Nem almoçou. O estômago que era um panapaná. Não tinha certeza das suas origens, nunca estivera em sua casa. Bem que ela desconfiou. Um Gato que não participa de rede social? Ao mesmo tempo, do jeitinho que ele falava, parecia excêntrico. Até excitante. O certo é que ela desconhecia a realidade daquele animal, até então, perfeitamente domesticável.

Ansiosa, chegou meia hora antes. “Ele já está aqui faz uma hora”, contou-lhe o garçom logo na entrada. Mesa de canto. Um selinho. Os olhos profundos, marejados, as mãos geladas. Parecia ouriçado aquele Gato. Era evidente o seu desconforto. A boca seca. Lambia as patas. Afiava as unhas na mesa. O rabo que não tinha sossego. “Então, fala logo”, disse isso preparada pra qualquer coisa. Ele a agarrou pelos ombros estreitando-a junto ao peito, em seguida, afastou seus cabelos, aproximou os lábios do seu ouvido e ronronou pausadamente: “empresta-me duzentos reais?”.

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