Manda quem pode

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Marcaram para o domingo no final da tarde, na praça, em frente à caixa d’água. A notícia bateu asas e chegou até onde não pega a internet. Teve gente que veio do interior, de caravana, só pra ver de perto o confronto. Montou-se num estalo a banca de apostas. Um alvoroço. O embate do embate de todos os todos os tempos. Muito, mas, muito, muito aguardado. Eu vivi para ver com estes meus olhos castranhos (castanhos + estranhos) o duelo do milênio, ali, ao por do sol, em praça aberta, o formigueiro de gente formando um círculo, uma arena. Ao centro, os gladiadores.

De um lado: Nêne. Grão-mestre Enxadachim de sétimo nível. Condecorado hortifrutiguerreiro. O flagelo das guanxumas. Terror dos terrenos baldios. Já o vi acender um cigarro na ponta dos lábios de uma dama num giro de enxada em que a lâmina trisca no chão e a faísca põe em brasa o fumo alheio, antes mesmo de a bendita moça pedir-lhe o fogo. Exímio comedor de massa com polenta e radicci. Fígado total flex. Os olhos esbugalhados e a boca arroxeada. E desta vez não era efeito do vinho. Babando de raiva.

Do outro lado: Nego Sapo. Faixa encardida de maloquendô. Curso de passarinho intensivo no Central com intercâmbio em Charqueadas. Quinta geração de uma linhagem de leões de chácara donos de cabarés de beira de estrada. Eu estava lá no dia em que o Nego Sapo saltou sobre três viaturas num duplo twist carpado com algemas. Quando caiu, os dois pés cravados no chão, tinha vestido o colete e ostentava os cassetetes dos policiais. Nego Sapo jamais comeu mosca. Agora, cuspia fogo! E desta vez não eram projéteis.

Medem um ao outro. Giram em sentido ante-horário. O sol desbotando atrás da igreja. O vozerio dos espectadores. Dois cachorros latindo para a multidão. O vendedor de picolés, com o carrinho vazio, sorri amarelo. Mais gente vai se achegando. Nêne arrasta a enxada na pedra. Nego Sapo da uns pulinhos erguendo os joelhos até o peito. Suados, mantêm a rotação. Algumas vaias. Um empurra-empurra na plateia. Assovios e xingamentos. Abre-se um clarão no meio do povaréu. Nêne deixa cair a enxada. Nego Sapo tomba de joelhos. Os olhos fincados no chão.

– Que palhaçada é esta aqui? – disse uma.

– Acabou o circo! – disse a outra.

Deixaram a praça, mudos, lado a lado, ambos alguns passos à frente de suas senhouras.

Não foi dessa vez…

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