No intervalo do almoço, mergulho na rua da praia com meu cilindro de oxigênio invisível às costas. Atravesso a Praça da Alfândega, submerso, encharcado dos sons e dos cheiros peculiares do Centro Histórico. O seu Cinésio, no inconfundível bandock, plugado na caixa de som mais chorosa da Andradas, tira um Vinicius doído… E por falar em saudade, lembrei do seu Manoel da Loteria, figurinha carimbada que nos deixou não faz muito tempo. Na esquina democrática, o BlueGrass Porto-Alegrense alcança os andares superiores do edifício Santa Cruz. Índios peruanos marcham no mesmo lugar, séculos de resistência com suas flautas de Pã. Mais à frente, um tango atravessa a Dr. Flores. Pães de queijo e sândalos disputam o protagonismo dos aromas. Há um mágico vendendo truques baratos na calçada em frente a galeria Chaves. O homem do gato faz explodir burburinhos e gargalhadas. Uma estátua prateada equilibra-se sobre um cone invertido. “Compro ouro / vendo ouro”. “Fábrica de calcinha, fábrica de calcinha, fábrica de calcinha”. “Chip pra celular é aqui, oh! ”. Os ambulantes hoje são quase todos africanos. Dois amigos, engravatados, cada um com o seu celular pregado na orelha, avistam-se, pedem um segundo ao telefone, cumprimentam-se e seguem caminho sem desligar o aparelho. Uma senhora pede esmola na porta do Banrisul. Ainda chove, mas só da Rua da Ladeira em diante, até o Alto da Bronze. Ainda agora a pouco fazia sol. Os sebos estão cada vez mais vazios e as lan houses sempre lotadas. Será que alguém ainda usa táxi? Uma viatura da polícia estaciona entre os jacarandás. Mendigos despertam do sono injusto, recolhem seus papelões e somem do alcance dos olhos. Um pastor evangélico berra o apocalipse ao Minuano. Tem gente, nesse mesmo agora, caindo no conto do bilhete premiado. Nas vitrines, as cores do inverno assumem os tons. Uma escola de pequenos visita a casa do seu Mario. “É pra hoje a Mega-Sena acumulada, é pra hoje”, “Cortácabelo, cortácabelo, cortácabelô”.
Tudo isso só durante o meu horário de almoço. Amanhã nem almoço pra não perder nada…