Dial

NO VERÃO, sempre que possível, uma das minhas atividades favoritas é caminhar, depois da chuva da tarde, entre as ruas semialagadas do nosso litoral norte. É quando, vinda de todo o estado, a fauna inteira está reunida em casa: pai, mãe, irmãos, avós, primos, agregados, convidados, os que vão de peru na cara dura, todos sentados em rodinha nas cadeiras de praia, ou já na cozinha, aguardando o cunhado que foi buscar o pão.

É como se girasse um dial (procurem dial no Google, crianças) e conversas, sem muita conexão, fossem captadas em trechos que, nas antenas da minha cabeça oca, formam uma trama, amostra, provinha, um panorama aleatório dos assuntos em pauta no seio da família brasél.

 “Oh, baby, me atende, ai que vontade de tacar meu celular na parede…”

Também acho incrível como tem sempre alguém batendo insuportavelmente uma bola num muro, um adolescente largado na rede e uma caixinha de som tocando “Oh, baby, me atende, ai que vontade de tacar meu celular na parede…”, ou, “Brota lá em casa eu vou te dar um chá bem dado…”, para alegria das crianças e o completo embasbacamento da tia solteirona.

Na quadra de baixo, uma casa estilo chalé, grama no pátio, cooler no centro da rodinha: “sim, sim, mas eu falei pra ela, falei, mesmo, tô nem aí, só que tu conhece a Dalva, né, até ela se mexer o esperto já tinha raspado tudo…”.

No sobrado laranja da esquina, o porta malas do carro aberto, som esgaçado (Oh, Baby, me atende…), conversam entre berros e gargalhadas: “Não, e o pior foi ele tentando explicar pro guardinha que não sabia de nada, kkkkk, sem frescura, tinha que ter deixado ir preso só pra gente rir…”.

Casinha de madeira, ao lado do terreno baldio, duas senhorinhas, um kit chimarrão, mateira do Diário Gaúcho: “Mas ela sofreu muito nas mão daquele semvergonho, coitada, e os filho nem aí…”.

Pátio com meia garagem, um banheiro, seis barracas Iglu e um Everest de latinhas vazias: “Cara, caiu por incompetência da direção, velho, quem não sabe…”. “Tá, mas, esses jogador mercenário também é phoda, né, meu, os cara ganhando milhões e não fazem nada, daí me racha as panturrilha…”.

Casarão de dois pisos, um Jipe, três lulu da pomerânea e duas pranchas de Stand Up Padlle escoradas, o dono da casa injuriado com o cunhado que chegava com o pão: “Tá, Régis, mas e se o Lula nunca tivesse nascido, nós vivêssemos em outro planeta, outra galáxia, em quem tu votaria pra presidente?”. “Lula, ué?!”.

 

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