Teto de lança

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Centro/bairro, embarquei na terceira parada da Farrapos e o zunido já estava preenchendo todo o coletivo e escapava pelas janelas feito uma panela de pressão desvairada. Um ruído constrangedor suplantava o barulho do motor e da catraca. Ninguém conversava no B55. Olhei pro motora que deu de ombros. Uma única luz vermelha piscante apontava no painel. Igual aquele miserável desconforto auditivo ao descer a serra, só que sem a serra, só o miserável desconforto auditivo.

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Seguimos viagem, cada um com seu apito no colo. A sensação era a de Tetê Espíndola e Byafra, ao mesmo tempo, em seus tons mais agudos, num show acústico no corredor. E cada vez que alguém acionava a campainha pra descer entrava a Cyndi Lauper em participação especial. Lá pela Avenida Brasil já estávamos todos anestesiados e falando por sinais. Não era mais um ônibus, era uma madeireira funcionando a todo o vapor. Uma serralheria malhando ferro sem intervalo.

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Foi só depois que passamos o Viaduto Obirici que o motora resolveu desligar o motor pra dar uma trégua, quem sabe reiniciando tudo, um alívio coletivo (entenderam? “coletivo”). Durou pouco, ao dar a partida o chirriar invadiu outra vez o ambiente, bateu no teto, reverberou no assoalho e seguiu viagem. Insuportável! Como se uma dupla de demônios espancassem um botijão de gás com seus tridentes de ferro sem parar. Tipo aquelas cigarras no verão que ficam nas árvores disputando no grito quem explode primeiro.

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Lembrei de uma vez, um carnaval em Tubarão, desses que a gente não quer recordar, mas que nunca se esquece, um tubo de lança perfume (que minha mãezinha não leia isso), duas baforadas e aquele zunido infinito que precede o tombo. Ao menos dava um barato. No buzão, nem onda não dava, só uma irritação permanente. O senhor ao meu lado comentou aos berros, “se apitasse também no celular do patrão em menos de um minuto tava resolvido”. Certo que sim. Seguimos viagem, mi, encima de si, sem dó.

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